Do outro lado das teclas

Uma história a quatro mãos, separadas por um mar.

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Tempos passados

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    E vinho? Vamos procurar o vinho!
    Claro! É lá para aquele lado.
    Nem me fale em vinho argentino... Iremos pelos vinhos do xisto, da minha terra.
    Me surpreenda...
    Curiosa a construção que o homem, pior ainda, o homem que se julga culto, faz acerca de vinhos e de outros prazeres...
    Como assim?
    Nos prazeres, sejam eles quais forem, desde há muito que se instituiu uma falsa tabela de graduação. As pessoas teorizam sobre nada, dizem que este é melhor, que aquele é isto, que o outro é aquilo, com base em nada ou quase nada. E os que se julgam cultos, ufanam-se de seu vasto conhecimento, falam de vinhos, de charutos, de café, de destilados de uma forma definitiva. A manifestação de ignorância mais cabal.
    Você acha?
    Acho. E quando falei do vinho argentino, que não conheço, foi você sabe porquê...
    Nem me fale...
    Pois é. Mas acho que vou comprar uma garrafa. Quero colocar-me no seu lugar.
    Qué isso? Amaluqueceu? Me fez um mal danado.

    Ah, agora os mapas...
    Ah é? Tá se preparando para ir comprar cigarros e não voltar nunca mais? É isso?
    Não. Mas posso viajar por aí enquanto você trabalha, ou não?
    Claro que não! Viajará comigo no final de semana.
    E entretanto, faço o quê?
    E Brasília, não lhe chega? Ainda mal chegou, não viu nada e já quer se mandar?
    Não vi nada? Se não vi nada, estou muito curioso com o que mais me mostrarão...
    Bobo!
    Sabe aquelas coisas de que a gente se arrepende para o resto da vida?
    Qué isso? Tá arrependendido? Vai, me solta, corre logo por esse planalto. Some.
    Pois é, estava falando de pequenas coisas, de um livro que não se compra, que se abandona numa prateleira de livraria...
    Livro?
    Sim. De um livro que há uns anos encontrei numa livraria e que se referia a uma viagem de carro feita por um português pelo interior do Brasil nos anos 50, se não me engano.
    Devia ser interessante...
    O meu tipo de interesse, as coisas que também gosto de fazer, o fascínio da época, e mesmo assim, burro, não o comprei...
    Porquê não?
    Boa pergunta. Acho que se pensa sempre, até a uma certa idade, que há uma segunda oportunidade... e, na realidade, não há. Ou então é um sonho que quer ser perseguido, uma expectativa que não deixaremos de manter...

    E agora, o que fazemos?
    Vamos levar as coisas para casa ou sair por aí, com você me conduzindo? Mas...
    Mas...
    Claro que não me esqueci que você também tem a sua vida, nem sei se tem coisas para fazer, mas sei que tem seus meninos... Viu como fico falando à maneira daqui?

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    Você toma?
    Tomo, claro.
    Dois cafés, por favor.
    Sagrado cafézinho. Sendo sábado, faz-me falta o meu jornal.
    Jornal? E isso lá é hora de ler jornal?
    Não. Claro que não. Mas tenho um ritual de séculos com esse jornal. Sabe que até por muitas vezes, ficava dias sem o ler. Quando em férias, muitas vezes acumulava vários na caixa do carro...
    Arquivava...
    Era. Arquivava e só os lia ao fim de uns tempos. Mas havia sempre aquela prazenteira visão do cabeçalho nos escaparates...
    E diz você que não gosta de jornalistas...
    Não disse isso. Só disse que lamento a fraca qualidade de muitos deles. Mas claro que os há bons, não tenho a menor dúvida.
    Sei...
    Sabe pois. Claro que sabe, ó jornalistazinha... Por falar nisso, quer me entrevistar?
    Quero! Claro que sim.
    Então marcarei na minha agenda. Hoje depois de jantar, tá bom para si?
    Hummmmmmmmm.... não sei. Terei que consultar a minha também....
    Ok, mande-me depois um fax a confirmar. Enquanto isso, aproveito e peço outro café. Quer?
    Nãããããoooooo. Um chega. Quer me ver eléctrica?
    Quem sabe?
    Gracinha. Você é muito gracinha...
    Posso dar uma vista de olhos no hiper?
    Pra quê?
    Para comprar algumas coisas para ter em casa. Reparou que não havia nada por lá?
    Ok. Vamu’lá.
    Vai ter que me dar algumas dicas. Que marcas comprar, essas coisas...
    Claro. Tem lista de compras? Eh eh
    Café! Acha que aquela máquina funciona?
    Sei, não. É velharia, mesmo. Mas a gente experimenta...
    Ok, vamos a isso.

    Ah, deixa-me ver se há mapas por aqui...
    Mapas? Para quê?
    E o que é que eu faço durante a próxima semana? Quando você estiver a trabalhar?
    Vai fugir de mim?
    Claro que não. Tudo o que preciso é de um mapa 4 rodas e de 4 rodas mesmo.
    Um carro alugado? Veremos isso.
    Me ajuda com isso? Dá um jeitinho?
    Claro. Anda.
    E já se aconchegava debaixo do braço dele...

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    Que noite?
    Não vê o céu a mudar de côr?
    É mesmo! Caramba!
    Vamos beber um café na rua. Tem que haver muitos sítios abertos a esta hora. Isto é a capital do país ou quê?
    Claro que há.
    Então...
    É que... e se aninhava contra o peito dele, torcendo o corpo em estertores de preguiça.
    Não se esqueça que me prometeu a alvorada...
    A Alvorada? E você pensa que português chega aqui e pode ser presidente? Ó menino, qué qué isso...
    Todas as alvoradas do mundo... será que dá para nos sentarmos na rampa e vermos o sol nascer?
    Na beira do lago. Vamos para a beira do lago.
    Mas primeiro, quero um café, um CAFÉ!
    Ok. Ok. Corram, corram, que o amo quer café.
    Isso. O amo exige um café.

    Estava dando os últimos retoques na roupa quando ele insidiosamente lhe tirou a camisa.
    Então? Quer o café ou não?
    Vista esta. Assim, se acaso fôr rasgada, não me pesa o facto de a ter privado de algumas recordações...
    Bem! Bem!
    Que foi?
    Primeiro, já vai tratando de se apropriar. Vista esta! Que lata! Depois, vem com essa de recordações... Que recordações, tá pensando o quê?
    E não há? Não há recordações em todas as peças de roupa que um dia resgatámos das prateleiras e dos cabides das lojas?
    Há, claro. Claro que há, mas...
    Vamos mas é beber o café. Fica-lhe bem a camisa. É sua, acaba de ganhar a primeira prenda.
    Obrigado...
    E já está a amarrotá-la... eh eh
    Mau! Ela é sua, ou é minha? Decida-se!
    Claro que é sua. À rua! À praça! Vamo-nos.

    Assim que transpuseram a porta do edifício, ela viu-o correr e saltar, lançando as pernas para o lado e batendo os tacões.
    Ao fim de dois saltos, voltou simulando um voo e ao aterrar, perguntou-lhe:
    Será que isto é qualidade de vida? Diga-me! Responda-me!
    Agora, minha senhora, minha ama
    Me conduza pela terra prometida...
    E não se esqueça do café!

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    Pois é! Mas por estranho que pareça aqui não há pizzas portuguesas. Aliás, não há nada no frigorífico, nem pão nem água. Tem a certeza de que não há nenhum sítio onde possamos dar ao dente? Falando francamente, comida de avião não é propriamente um repasto e depois já passou quase um dia desde que aterrei em terras de Vera Cruz...
    A esta hora? Você tá louco!
    Estou? – puxou-lhe a camisa e disse-lhe ao ouvido: Olha que eu rasgo!
    Outra vez? Não brinca, ou vai ter que me emprestar uma camisa sua para eu sair daqui.
    Ok. Passemos à vida real, nem que seja só para comer. Como é que é? Há ou não há um restaurante aberto? Ou há pizzas ao domicílio a umas horas destas?
    O quê? Passemos à vida real? Já? Ainda bem não chegou...
    O braço dela não fez a trajectória completa.
    Fê-la girar, apertou-a, mordeu-lhe a nuca e levantou-a no ar, a mão entre as pernas dela.
    Tem certeza de que não há nada para comer?
    Tenho!
    Pois bem...

    Fuuuuu....Fuuuuuu......
    Ela soprava-lhe no ouvido, mas a jornada e a noite tinham-no colocado no fundo do porão.
    Foi mesmo como nos desenhos animados, abriu um olho (quê), depois outro. E sorriu.
    Ah, pensei que tinha morrido...
    Agora, morro se você não me levar já já para um café expresso.
    Ela riu e fugiu, com a roupa na mão.

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    "Cem anos inteiros? Da janela que não mais verei?", entendeu
    pouco o que se passava.
    Ainda estava envolvida pelo jetlag das inúmeras noites que
    sonharam juntos e juntos planejaram, esperaram, pelo sonho a
    dois naquela realidade da terra prometida.
    Tinha que pensar rápido. Afinal, Ele não viera de tão longe
    para ser maltratado. Claro que não.
    Sentou-se na cama. Ainda era madrugada. Era dia na terra
    dele, mas, ali, a lua ainda dominava o espaço por trás das
    nuvens. Iluminando ainda que difusamente o quarto em penumbra.
    Se olharam... ternamente. Sorriram um para o outro...
    Era sublime estar ali, era quase que um delírio dos planos
    deles.
    Não ousaria beliscar a própria pele para não acordar, não
    queria acordar.
    Tocaram-se...
    Vamos... não precisamos sair. Fazemos qualquer coisa por aqui
    mesmo.
    "A essa hora a terra dorme", disse Ela.
    "A nossa hora. Quantas vezes seguimos despertados enquanto a
    terra dormia ao nosso redor", completou.
    Mas, fazer fogo em casa, para comer. Ela caiu em si...
    não sabia cozinhar, nunca aprendera...
    Meu Deus!, Pensou, em pânico. Estou perdida. Tenho que
    descobrir rápido uma saída...
    Lembrou-se, então, dos seus jantares, na noite, em frente ao
    computador... teclando... amando..
    Sorriu prazerosamente...
    "O que foi", perguntou Ele?
    "Estou rindo de mim mesma, da minha incapacidade culinária.
    Você não tem idéia do que me ocorreu agora", disse ainda
    sorrindo.
    "O que foi", repetiu...
    "Não tem idéia?"
    Riram juntos... gargalharam...
    A pizza..
    A pizza nossa de cada dia!

      |

    Tens consciência de que vais ter nesta paisagem uma dura concorrência?
    Acordou com estas palavras
    A luz ténue recortava-o contra os vidros. Ali estava de costas, afundado agora num olhar que ela previa ser errante.
    Depois um sorriso descreveu uma curva no ar e tombou-lhe junto ao rosto.
    Já encontraste o nome para os romeiros de Brasília? Não serão peregrinos que não vêm per agro, não serão romeiros que não se vão a Roma, nem palmeiros que não carregam palmas... Encontra um. C’est a vous de choisir...
    Boscantes, buscantes
    Buscantes?
    Ou Boscantes. Um dia lhe falarei de Dom Bosco.
    Dom Bosco?
    Sim.
    Um peregrino, também?
    Um sonhador.
    Ao proferir esta palavra, deu-se conta de que transferia assim também os seus sonhos para junto dos dele.
    Já ele tombava sobre o seu peito e encaixando-se nele, dizia quase imperceptívelmente Dom Bosco... tem nome de santo...
    E virou-se, com um ar que ela definiu como traquinas:
    Agora, busquemos a praça. Partilhemos com os homens a bem-aventurança. Subamos ao monte.
    Qué isso? Tá frenético?
    Não. Mas confesso que tou com fome. Conduz-me agora aos prazeres da gula.
    A esta hora?
    Pois é, nem sei que horas são. Mas a esta hora é dia sobre as minhas árvores, quase posso ouvir os pássaros nos fios do telefone. Da janela que não mais verei.
    Não?
    Não. História comprida essa, cem anos inteiros. Mas vamos à praça. Apresenta-me o paraíso que adormecido parece.

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    Um frio percorreu o corpo.... Dela... Dele...
    Estariam em surto, transe?
    Era a retomada do momento... outro, sonhado, teclado,
    imaginado...
    O beijo... ah.. o beijo...
    Suave, terno, acariciava toda a sua alma, seu ser...
    inteiros , ali... entregues...
    Ela... Já não sabia se sonhava ou vivia.
    Não queria saber...
    Agora, não importa. Não queria acordar....
    Estava mesmo no verdadeiro paraíso do Planalto Central, Entre
    os paralelos de 15º e 20º tal qual o sonho do idealizador, o
    sonho de Dom Bosco.
    Engraçado pensar nas palavras de um santo num momento
    desses...era mesmo um momento iluminado... sorrira, de lado,
    num canto da mente
    Recapitulava as palavras, da história.. da visão.. do
    santo... vírgula por vírgula...
    "Entre os paralelos de 15º e 20º havia uma depressão bastante
    larga e comprida, partindo de um ponto onde se formava um
    lago. Então, repetidamente, uma voz assim falou: ...quando
    vierem escavar as minas ocultas, no meio destas montanhas,
    surgirá aqui a terra prometida, vertendo leite e mel. Será
    uma riqueza inconcebível...

    Era mesmo o paralelo... o universo paralelo...
    Havia a depressão... formava-se o lago e,
    ali estavam a escavar as minas ocultas, no meio das
    montanhas...
    Era a terra prometida, vertendo leite e mel!
    Uma riqueza inconcebível...

    Vivia sua visão pessoal.. seu sonho... sua realidade....
    agora, tocada.. trocada...
    Sonho sonhado em 30 de agosto de 1883, por Dom Bosco (santo
    italiano, nascido em 1815 e fundador da Ordem dos Salesianos.
    Bem longe do mundo espiritual, na terra, os dois, ali...

    sonho vivido pelos dois...
    111 anos de atraso... de adianto...
    Juntos... era mesmo um sonho...o mesmo sonho da terra
    prometida...

    As mãos dele percorreram-lhe o corpo.. dela...
    A luz da rua iluminava o cômodo na penumbra...
    Enxergavam seus vultos, um ao outro... sombras, desejos...
    Ela... Puxou-o contra si. Sentiu o toque dos corpos... soltou
    um suspiro...
    Respirava profundamente.. intercalava, arejando os pulmões
    com suspiros curtos.... queria estar ali, 'Deus, como
    queria!' Como desejara tudo aquilo...
    Ele....Tocou-lhe o ventre... dela...
    Ela...contraiu-se... ternamente
    Ele... beijou-lhe o pescoço... a nuca...
    Ela... curvou-se... encolheu-se...novamente estremeceu
    Ele... abaixando-se... beijando-lhe novamente
    ...o ventre....

      |

    Como num passe de mágica, tinha na sua frente uma flôr real da mesma côr do pequeno ícone de tantas noites...
    E um beijo, um beijo bem real, fervente.
    Não houvera palavras, nem um nome fora dito.
    As palavras já tinham sido trocadas tanta vez noite adentro.
    Tombaram junto da janela. Lá fora, a noite caía com esse azul vermelho que só as asas de Brasília conseguem sobraçar.
    Nunca tinha passado por nada igual.
    Nada, mesmo nada, em sua vida a poderia ter preparado para um encontro assim.
    Muito suave, muitíssimo suave, uma música que ela não conhecia soava. Embalava:
    Somewhere she’s crying for me.... Hold on...
    Quando ele a desentrelaçou, mirando-a como se todo o mundo se concentrasse nos seus olhos, ela percebeu uma fugaz dispersão pela janela.
    E então ouviu. Ouviu a voz.
    “Não poderia nunca saber que Brasília, a nossa Brasília, era o verdadeiro paraíso.”
    Olhava agora para a janela. Com fascinação no olhar. Qualquer coisa derradeira. Uma chegada última e definitiva.
    A voz baixa prosseguiu num sotaque distante e talvez misterioso:
    “Inventaremos um nome para os romeiros de Brasília! Nome esse que jamais será aplicado a outro que não eu!”
    E de novo a beijou, uma vez, outra e muitas mais.

      |

    Virou-se, não enxergou nada. A luz que atravessava a janela
    cegava-lhe a vista. Arabella não pode ver.. estava cega... de
    paixão.
    Foi quando sentiu. Uma brisa passou pelo seu corpo. Arrepiou-
    se. Sentiu a doce sensação de ter seu corpo envolvido.
    Suspirou.. sentiu-se bem...
    O vento... a brisa... era ele! Tinha certeza que era ele!
    Continuava no contra-luz. Foi assim mesmo quando sentiu pegar-
    lhe a mão. Estremeceu. Fechou os olhos por alguns segundos.
    Continuava cega...
    Foi assim mesmo...
    Guiada por ele, atravessou o cômodo...
    O bem-estar e a alegria de estar ali naquele momento, naquele
    instante, como sonhara, superava a incerteza e a dúvida de
    não enxergar o outro...
    Arriscou...
    A mensagem era clara: ultrapassara o limite do virtual na
    busca do sonho real. A mão, agora em seu ombro...
    A luz, o contra-luz caiu... Pode ver então...

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    Do outro lado das teclas

    You have 1 new mail message
    Às vezes, esta mensagem trazia-lhe à memória o cheiro da velha caixa do correio e a expectativa de ver a esquina de um envelope branco contra o alumínio do fundo.
    Abriu.
    Abra o attachment sem medo de vírus da vida – era o texto.
    Abriu. Um mapa da mina. Um extracto de planta de alguma cidade e um X marks the spot.
    Debruçou-se sobre o écran, ampliou a imagem e percebeu tudo.
    Nem precisou de mais.
    You have 1 new mail message
    BLOCO F. AP. 405
    Claro! Como saberia em que porta bater?
    Caminhou até lá. Não havia necessidade de correr, não havia pressa de chegar. Todo o tempo do mundo para apreciar a expectativa. Mas não conseguia ater-se no movimento das ruas. Só olhava as árvores e o céu, nada mais.
    O porteiro lhe disse que era esperada no 405.
    Elevador.
    Sabia e não sabia o que a esperava.
    Sorriu com a lembrança da velha proposta: “Pode vir que não tem ninguém em casa.” E nesse caso não tinha mesmo.
    Mas sabia que não seria isso. Nada disso.
    Enganou-se ao sair, caminhou para o lado errado e cruzou-se com um casal de ar austero, que nem lhe sorriram nem a cumprimentaram.
    Era o que menos importava, agora.
    Fez meia-volta, encarou o casal mal-disposto e dirigiu-lhes um sonoro boas tardes. Continuou e viu a porta entreaberta. Agora sim. O guião se cumpria.
    Entrou. Na parede, um desenho colorido rasgado em três.
    Passou para a sala. Pouco mobiliário. Uma mesa e um PC portátil. Ligado.
    Uma janela de MSN. E lá estava a flor, selando como lacre a última conversa. Last message sent at...
    Na barra do windows, um documento do Word.
    Abriu.
    Entre no MSN com a sua senha. Apenas isso.
    Assim fez.
    >Boa tarde. Espero que goste da surpresa.
    >Que surpresa? Um apartamento vazio?
    >E um desenho rasgado... às vezes me interrogo quem teria o desplante de rasgar uma obra dessas...
    >Já rasgou tudo o que tinha a rasgar?
    >Já rasgou tudo O QUE TINHA A RASGAR?
    >SUMIU?
    >SUMIU?
    Assim irritada, nem se apercebeu do puxão na camisola...

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